domingo, 24 de julho de 2011

RELAÇÕES DE PODER...QUEM É OPRIMIDO, QUEM É OPRESSOR?

Em algum lugar do "Microfísica do Poder"- coletânea de artigos de Michael Foucault, ele trata das relações de poder que vão além daquelas institucionais (do aparelho do estado: pátria, família, religião, escola ...)
Foucault desprende-se da ingenuidade dos marxistas que afirmavam haver oprimidos e opressores, sempre numa relação vertical de coação e com locais fixos dentro da pirâmide social.

"Dizendo poder, não quero significar 'o Poder', como conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um estado determinado. Também não entendo poder como modo de sujeição que por oposição à violência, tenha a forma da regra."

"O poder está em toda a parte; não porque englobe tudo , mas porque provém de todos os lugares."

Não não, é mais complexa com certeza a questão: o poder (de reprimir ou de incitar) não existe em um só lugar e em uma direção apenas, "o que existe são práticas ou relações de poder" que ocorrem em "níveis variados e em pontos diferentes da rede social", "estados de poder instáveis".

Como Machado de Assis ilustrou no seu Brás Cubas através do episódio do negro Prudêncio, o oprimido torna-se o opressor de acordo com a sua possibilidade, ele passa adiante a violência da qual foi alvo, horizontalmente ou verticalmente.

"O poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis".
* Foucault - historia da sexualidade vol I.

Outro exemplo é a protagonista do engraçadíssimo e cruel filme "Bem vindo à casa de bonecas" de Todd Solondz, sofrendo todo tipo de perseguição na escola por ser feia e sem graça a menina tem um único amigo, um garoto estranho e afeminado. Num momento de fúria ela "desconta" as violências sofridas no coitado. Provavelmente - o filme não mostra- mas esse amigo iria passar prá frente o tratamento recebido...

Logo não existem algozes e vítimas e sim ambos num só indivíduo.
Quando somos um e quando somos o outro? Eis a questão...

sábado, 23 de julho de 2011

SERIA O DINHEIRO O NOVO SEXO ?

As pessoas estão estabelecendo relações de satisfação e saciedade com o consumo.
Tudo o que foi descrito acerca das neuroses sexuais poderia ser transposto para o ato de comprar?
Seria então o dinheiro o novo parceiro nas relações?
O sexo foi trocado pelo consumo?
Ou a consumação do sexo foi trocada pelo consumo?

DINHEIRO, DEUS E ABSTRAÇÃO

No livro "Dinheiro- Sanidade ou loucura?" Axel Capriles fala do dinheiro como um dos processos que permitiram a evolução do homem.
Não foi a criação de ferramentas o que possibilitou os avanços tecnológicos- estas foram consequências, mas sim
a mudança na forma de ver o mundo, o que fez com que o homem saísse de seu estágio bestial.

Esse passo importante na diferenciação do homem dos demais animais foi o desenvolvimento da capacidade de abstração. Essa abstração se deu em duas vertentes, uma material e outra metafísica, digamos assim:

Na metafísica o homem "criou Deus", no sentido que percebeu processos que não eram cabíveis apenas a sí e aos demais seres vivos. Ele foi capaz de conceber uma divindade, e passou a criar simbolismos que dessem conta dessa relação do divino com o mundo físico. O plano metafísico passa a influênciar nas suas ações, e é por isso que o homem passa a enterrar seus mortos, a ritualizar suas ações, como a busca de alimento...

No Plano prático "criou o dinheiro"- a outra abstração.
Com as trocas o homem passou inicialmente a exercitar sua mente no sentido de traçar equivalências: X bois valem...X peixes? E posteriormente com a criação do dinheiro a necessidade de abstrair foi ficando maior: meus 2 bois valem 30 conchas. Era realmente atribuir à um objeto qualquer um valor simbólico, "de mentirinha": dinheiro é qualquer coisa que se atribua determinado valor desde que haja pessoas que aceitem essa "convenção". Esta ação é a mesma que nós fazemos hoje, ou nossas crianças, o processo é igual.

Em ambos, Deus e o dinheiro são abstrações, são processos onde se confere um supra-valor a algo que em sí não existe, é neutro, é vazio, é nada.
(Deus pode existir ou pode não existir depende da vontade do sujeito)
Uma vez que é nada, pode ser tudo também.
Uma vez que é vazio pode ser preenchido por qualquer coisa.
Deus é potência e nesse sentido o dinheiro também.

É como uma caixa vazia que colocamos o que quisermos.

Então o dinheiro tão material, tantas vezes acusado de sórdido, de corruptor, é na verdade tão impalpável como Deus, e tão importante no desenvolvimento do homem quanto ele.
Dizem que cada um tem o seu Deus, ou o Deus que merece, "que te cabe", "em que caibam suas crenças" por assim dizer.
Acho que dessa forma posso dizer que "cada um tem o dinheiro que merece", ou "que te reflete".

quinta-feira, 21 de julho de 2011

MÚSICA E SILÊNCIO...

Eu aprendi com um amigo que a música é composta de sons, mas também de silêncio.
Não é a quantidade de sons que define a música, mas os silêncios...
E quanto mais refinada, maiores eles são...

Observando as pessoas pude perceber que muito daquilo que se fala, se fala calando...
E aquilo que não está escrito às vezes é mais forte do que aquilo que foi escrito.
Assim como os melhores compositores, os melhores escritores são os que sabem calar.

No ápice do processo que relaciona silêncio e linguagem Clarice Lispector dizia que a sua busca era fazer a linguagem falar o que não podia ser falado - o inefável.
Em nossa forma menor nós falamos, sem palavras, o que não pode ser falado o tempo todo...
Isso é uma abstração às vezes muito difícil de explicar:
Como o ar, está lá, é responsável por inúmeros fenômenos, mas você não vê.
Ele move moinhos, mas você não vê...

"Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz; é preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os que podem e os que não podem falar, que tipo de discurso é autorizado ou que forma de discrição é exigida a uns e outros. Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apóiam e atravessam os discursos."
Michel Foucault
*Eu adoro o Foucault ele é um mestre em dizer o que foi silenciado dentro do que foi dito.

Quando comecei a estudar literatura a minha obsessão era entender o que estava por detrás do que era dito, ou seja o não-dito. Era até difícil de explicar, prá que os outros pudessem me ajudar, o que eu estava buscando: aquilo que existia mas não estava lá.

Hoje eu sei que o quê está lá, está no silêncio.
Talvez por isso eu ande tão calada...

sábado, 16 de julho de 2011

LIVROS E FILMES

A adaptação de obras literárias para o cinema não é novidade. Alguns críticos resumem o fato de tal ou tal adaptação ser um sucesso por causa de sua coerência, de sua relação perfeita e funcional entre todos os elementos, algo como um relógio suíço.
Mas às vezes, o diretor chega à uma conclusão oposta ao autor do livro...como se a "moral da história" fosse outra, como se traduzindo de um meio para outro as palavras mudássemos o sentido e portanto o significado, complexo não?

Vou falar de algumas adaptações de livros para cinema que me trouxeram o quê pensar:
* Existem as que excedem em qualidade, e em acabamento uma obra literária. É como se o diretor desse uma polida em um material bom, e tornasse-o assim maravilhoso, por exemplo:

- Sobre meninos e lobos, de Clint Eastwood. Baseado no romance de Dennis Lehane, Clint torna um material já soberbo em algo perfeito! Lehane escreveu uma tragédia nos moldes das grandes tragédias gregas numa cena contemporânea, o problema é que em algum momento do seu livro maravilhoso ele cita isso e não precisava, porque o bom leitor sabe, ou melhor quem tem que saber sabe de cara. Clint não fala nada, silencioso, ele confia na inteligência de seu leitor, o que acontece então é uma obra-de-arte!
- O Leopardo, de Luchino Visconti. Essa é a obra-prima de um mestre, mas o romance do Guiseppe de Lampedusa não é essas coisas todas, ele fala demais o que deveria calar, mas o Visconti sabe disso e dá uma desbastada no material, deixa apenas o essencial, e ilumina apenas o relevante, e aí fica perfeito!
- As virgens Suicidas, da Sofia Coppola. Baseado no livro homônimo Jeffrey Eugenides o filme é mais coeso, mais limpo e portanto mais intenso que o livro! O final da Sofia é mais coerente do que do autor....
- As Horas, de Stephen Daldry. O filme foi tão maravilhoso que me fez procurar o livro - de Michael Cunningham... mas o livro não trazia muito mais do que o filme, era interessante apenas apesar de ter ganhado o Pulitzer. O que me fez procurar o tal livro "Mrs. Dalloway" de Virginia Woolf atrás da "grande revelação epifânica" que ocorre com as mulheres do filme, e que comigo não ocorreu...
- Orlando - a mulher imortal, de Sally Potter, baseado no livro de Virginia Woolf - Orlando é mais interessante que o livro...a meu ver. Talvez eu tenha problemas com Virginia Woolf...
- Doutor Jivago de David Lean. O filme é perfeito, grandioso, sensível, inteligente, redondo, nada se tira, nada se põe nele, e ele não subestima seus expectadores como faz o autor do livro homônimo - Boris Pasternak com seu livro de 500 páginas chato e panfletário...

* Existem aqueles que acabam com uma obra literária, solapam, transformam um sem número de camadas diferentes em uma folha de fórmica branca:
- O Paciente Inglês, de Anthony Minghella. O romance do Michael Ondaatje é lindo, suave, delicado, texturado... o filme capta 1% do romance. É quase um resumo para vestibulandos burraldos do livro. E olha que traz Ralph Fiennes, Binoche e Kristin Scott Thomas... é muito desperdício...

* Apenas para cinema:

- The Royal Tenenbaums, de Wes Anderson, o dito-cujo é o diretor e o autor do roteiro. E o filme é perfeitinho, uma obra-prima. Eu achei que era meio bobo e não fui assistir no cinema. Dancei.
- O Piano, de Jane Campion. A mesma coisa, ela é a diretora e autora do roteiro de um dos filmes mais poéticos já produzidos!
- Match Point, do Woody Allen. Eu sempre gostei do Wood Allen...mas os filmes dele parecem sempre trabalhar em um tom menor, não este. Roteiro perfeito, direção idem.

ALGUMA COISA, QUALQUER COISA OU NADA.

Esses dias eu estava me lembrando que uma pessoa com quem eu vivi me dizia sempre:
Faça alguma coisa! Faça, faça e vá fazendo que um dia você chega lá.
(Ou seja você descobre o que estava fazendo.)
Faça alguma coisa! Qualquer coisa é melhor do que não fazer nada.

Curiosamente eu sempre fui contra "fazer alguma coisa",
"alguma coisa" parece demais com "qualquer coisa".
E "qualquer coisa" não me parece nada bom.

Parece algo sem importância, sem relevância prá quem faz e pro mundo...

Ao fazer, creio que a gente não precise saber para onde se está indo, é verdade...
Mas precisa-se saber PORQUE se está indo!
FAZER NADA me parece mais digno em algumas, muitas situações...

Muito tempo se passou e eu lí um ditado em ídiche citado pelo Nilton Bonder:
"Melhor fazer NADA do que tornar algo em NADA".

sábado, 2 de julho de 2011

ECONOMIA SEXUAL DE REICH

Wilhelm Reich desenvolveu a teoria da "Economia Sexual", esta é uma matéria multidisciplinar (como chamamos hoje) porque diz respeito e se relaciona com diversas áreas do conhecimento como: biologia, psicologia, sociologia, fisiologia entre outras. Essa teoria da sexualidade germinou no seio da psicanálise no inicio da déc. de 20 e foi responsável pela descoberta da "Potência Orgástica" e do "Reflexo Orgástico" e culminou na expulsão de Reich da Associação Psicanalítica Internacional em 1932. Segundo ela:

"A saúde psíquica depende da potência orgástica.
Do ponto até o qual o indivíduo pode entregar-se e pode experimentar o climax de excitação no ato sexual natural.
Baseia-se no cunho não neurótico da capacidade do indivíduo para o amor.
As enfermidades psiquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar."

A partir daí Reich analisa o comportamento repressor da sociedade da época em relação à sexualidade concluindo que é ele o responsável pelos distúrbios psicológicos, uma vez que a repressão aleija a sexualidade natural do homem, bloqueando assim o fluxo natural da energia vegetativa, ou energia vital.

"O homem é a unica espécie biológica que destruiu a sua própria função sexual natural e está doente em consequência disso."

Propõe então uma relação natural e libertária com o sexo a qual ele prega deveria ser ensinada às massas. Naquela época os psicanalistas tinham como tabu fazer questionamentos detalhados acerca da vida sexual dos pacientes. Para desenvolver a "Teoria do Orgasmo" ele teve que pedir a seus pacientes que descrevessem o seu comportamento e as suas experiências no ato sexual. A partir dos relatos ele pode criar a distinção que não havia anteriormente entre 'potencia sexual' que é ser capaz de efetivar um ato sexual (no caso do homem, ereção e ejaculação) e "Potência orgástica".

"Os mais perturbados de todos eram os homens que gostavam de alardear e exibir a sua masculinidade, homens que possuíam ,ou conquistavam, tantas mulheres quantas fosse possível, e que podiam 'fazê-lo' muitas vezes em uma noite. Ficou perfeitamente claro que, embora fossem eretivamente potentes, esses homens não experimentavam nenhum prazer, ou experimentavam apenas um prazer muito pequeno no momento da ejaculação."

A "Potência orgástica" seria a capacidade de "abandonar- se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica", ou seja, de se abandonar ao prazer, permitindo um fluxo ininterrupto da energia no corpo de maneira que este contraia e relaxe involuntariamente do genital para o corpo, do corpo para o genital, em forma de ondas.
Mais do que um evento ela seria um indício de que o fluxo energético no corpo encontra-se livre, isto é que a energia vital está circulando.

Diferentemente da psicanálise que identifica a repressão sexual da sociedade e propõe uma cura psicanalítica, ou seja individual e que não vai muito além dos limites do consultório, Reich propõe uma reformulação social do comportamento em relação à sexualidade.
Mais do que o indivíduo é a sociedade que deve ser curada, pois ela é quem produz a neurose.

Reich tornou-se o que chamamos de "persona non grata" em muito meios científicos e políticos; foi duramente criticado pelos psicanalistas tradicionais por suas tentativas de trazer a questão das neuroses para um âmbito social, foi rechaçado pelos socialistas que viam na psicanálise um passatempo de mulheres ricas e desocupadas (e até hoje ouvimos que terapia é coisa prá quem não tem o que fazer, ou não tem onde gastar dinheiro), foi perseguido pelos nazistas por causa de suas posições libertárias em relação à moral e costumes e por defender a auto-regulação do individuo em contraposição ao estado totalitário.
Cumpre lembrar que a época em que Reich atuou na europa pregando uma liberdade sexual da sociedade, foi a mesma em que se deu a ascensão do nazismo e dos regimes totalitários e ultra conservadores.
* Ele pregava que os jovens deveriam desenvolver com naturalidade a sua sexualidade, dentro de suas casas, acolhidos por suas familias, que eles deveriam ambos ter tido experiências sexuais variadas antes de decidirem se casar com alguém. Parece conversa daqueles "pais moderninhos" de hoje que deixam o filho dormir com a namorada em casa...pois é agora imagine isso na déc. de 20.

Seus estudos conhecidos como "Teoria do orgasmo" são até hoje mal interpretados, principalmente por aqueles que errôneamente vêem neles apenas uma incitação das massas para o sexo permissivo e promíscuo como forma de fuga para os problemas de saúde e sociais...