domingo, 29 de maio de 2011

A LINGUAGEM QUE NOS DEFINE É A MESMA QUE NOS SEPARA

Adoro esse trecho do "Alice através do espelho", a primeira vez que lí chorei muito, compungida ao descobrir que a linguagem verbal que nos coloca a todos dentro do conjunto dos humanos, e que depois nos define como indivíduos, é a mesma que ao expor nossa unicidade expõe também nossas diferenças irrefutáveis e tantas vezes inconciliáveis...
Alice e o cervo enquanto destituídos de seus nomes são capazes de uma amizade sincera...até que se descobrem definidos como cervo e menina...incompatíveis!???

" Logo chegou a um descampado, e do lado oposto havia um bosque. Parecia mais denso que o anterior, e Alice hesitava um pouco em penetrar dentro dele. Todavia, refletindo bem, decidiu-se a fazê-lo:
'pois com certeza eu não quero voltar', disse para si mesma, e aliás, esse era o único meio de chegar à oitava casa.
'Este deve ser o bosque' murmurou pensativamente, 'onde as coisas não têm nomes. E o que vai ser do meu nome quando eu entrar? Não gostaria de perdê-lo de jeito nenhum, pois teriam que me dar outro e é quase certo que seria feio'[...]

Ia devaneando dessa maneira quando chegou à entrada do bosque, que parecia muito úmido e sombrio.
- 'Bom de qualquer modo é um alívio [...] depois de tanto calor entrar dentro do... dentro do... dentro de quê?'Estava assombrada de não poder se lembrar do nome.[...]
- Ah, então isso terminou acontecendo! E agora, quem sou eu? Eu quero me lembrar, se puder. Estou decidida à me lembrar.

Nesse exato momento ia passando um cervo perto dela, olhou para Alice com seus grandes olhos suaves, mas não pareceu se assustar.
- Vem cá! Vem cá! - disse Alice, estendendo a mão e tentando acariciá-lo. Mas ele saltou um pouco prá trás e ficou parado olhando pra ela outra vez.
- Como é que você se chama? - Disse o cervo, afinal. E que voz suave ele tinha!
'Bem que eu queria saber!', pensou a pobre Alice. Um pouco tristemente, respondeu: - Por enquanto, nada...
- Pense mais um pouco - ele disse- isso não serve.
Alice pensou, mas não adiantou de nada.
- Por favor, pode me dizer como é que você se chama? - indagou timidamente. - Acho que isso talvez pudesse me ajudar um pouco.
- Eu lhe direi, se você me acompanhar até mais adiante.- respondeu o cervo.- Aqui não consigo me lembrar.
Caminharam então juntos pelo bosque, Alice com os braços envolvendo amorosamente o suave pescoço do cervo, até chegarem a outro descampado. Neste ponto, o cervo deu um súbito salto no espaço, livrando-se dos braços de Alice.
- Eu sou um Cervo! - gritou, cheio de alegria.
- E, meu Deus, você é uma criança humana! Uma súbita expressão de pavor surgiu nosseus belos olhos castanhos, e no mesmo instante, como uma flecha disparou a toda a velocidade.

Alice contemplou sua fuga cheia de aflição, com lágrimas nos olhos por ter perdido tão repentinamente o seu pequeno e querido companheiro de viagem.
-'Em todo caso, agora já sei meu nome. Já é algum consolo. Alice...Alice...Não vou me esquecer outra vez.' "

Lewis Carroll- Através do espelho e o que Alice encontrou lá.

A linguagem quando nos define como, brancos, negros, pardos, como muçulmanos ou cristãos, como ricos ou pobres...ela realmente nos separa em classes em seguimentos em caixotes...
Mas se atentarmos que toda definição é uma abstração, uma colocação forçada num conjunto que é imaginário, que não existe realmente, que generaliza o que só existe no mundo como algo único, por exemplo, menina é generalização imaginária e impossivel de existir na realidade, ela se refere as milhões de crianças de tal a tal idade do sexo feminino...todas diferentes umas das outras...

Então na verdade encontramos apenas indivíduos e objetos únicos, que não se repetem, e que são portanto extraordinários. E nesse universo de jóias preciosas, Alice, que tem pintinhas no nariz e é filha da D. Joaquina e do Seu josé, que tem um irmão chamado Pedro....pode sim ser amiga do cervo que tem a cor castanho dourada, que tem uma orelha mais escura que a outra...entendeu?

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